Foi-se mais uma semana lotada: trabalho, casa, obrigações. Problemas, gente chata, dor de cabeça. Frio, azia, metrô lotado, ônibus mais lotado ainda. Banho, e-mails, cama: a parte boa. Enfim, ela chegou. Já era hora, como foi esperada. Ah, a sexta-feira.
Já eram quase 20 horas quando chegou a casa, já não agüentava mais a mochila – quase vazia – pesando nas costas. E para sua surpresa, estava tudo apagado. A casa era toda sua, pelo menos, por algumas poucas- e próximas - horas.
Abriu, então, o portão e logo depois a porta. Entrou pela cozinha, mas não acendeu a luz, gosta do escuro. Na verdade, precisa dele. Andou mais um pouco, jogou a mochila no chão da sala e deu meia volta. Abriu a geladeira, cogitou a possibilidade de pegar algo para comer, mas, meio a direita, na prateleira, estava a tão convidativa latinha de cerveja. Ah, cerveja.
Subiu as escadas, entrou no quarto, ligou o computador. Saiu. Voltou ao corredor, entrou no banheiro e foi ligando o chuveiro. Percorreu a casa toda sem destino, como quem aproveita da solidão.
Ficou um tempo ali, em pé, com a latinha na mão e de olhos fechados, vendo, sentido e, claro, ouvindo o barulho da água, que dessa vez – ainda – não estava por massagear seu corpo, mas, sim, a sua mente, o seu espírito.
Voltou para o quarto. Abriu as janelas. Sentou na cama. A água ainda caia. A mente estava longe e a cerveja meio no fim.
Era impressionante, não sabia como tal fato se dava, só sabia que era assim. Aquela junção de coisas fazia com que o mundo se desmaterializasse, dividia-se em dois: o dele e o dos outros.
Ah, era tão boa àquela solidão consentida. Ele com ele mesmo. A cada cole na latinha, uma preocupação era esquecida. Os átomos de álcool que entravam pela sua boca, percorriam-lhe o corpo pelo sangue até chegar ao cérebro. E era lá, na verdade, que provocavam o maior estrago: agiam como uma borracha. Pouco a pouco, iam apagando letra por letra, momento por momento, de todo o seu arquivo que estava ali – no cérebro- armazenado.
Talvez a intenção fosse mesmo essa se desfazer de tudo o que passou, sem importar se era bom ou ruim. Nunca gostou da sua vida, nunca gostou de si próprio. Será que alguma vez em sua vida teve encontrou a felicidade?
Naquele momento, já ouvindo o barulho do chuveiro bem mais distante, com a latinha já caída no chão da cama, ele estava se sentindo mais leve, nem parecia ter os seus 98 quilos. Foi caindo aos poucos na cama, o pensamento cada vez mais vago, os olhos foram fechando. À frente, só enxerga um clarão, uma luz muito forte, toda esbranquiçada o cegava.
Ate que o que era claro –e ate demais – apagou-se. Escuridão. Agora era a solidão total. Era só ele, sem ele. Só existia, então, seu corpo. Era a solidão de que ele precisava, enfim, encontrava-se feliz.
A partir daquele dia, então, não iria mais precisar ter que aturar a zuação e o preconceito. As cobranças e o estresse do dia-a-dia. Não era jovem nem muito velho. Alguns diriam que foi um desperdício que ainda tinha uma vida inteira pela frente, estes não sabiam de tudo o que ele já tinha vivido. Outros aceitariam com mais rapidez e facilidade, afinal, para um homem de quarenta e poucos anos, gordo e cheio de vícios a vida não guardava muita coisa mesmo.
Ah, quanto engano, Meu Deus. Mal sabem aqueles que julgam que, a sua vida interior, o seu outro eu, tinha comprido sua missão. Depois de ter visto a morte de perto, era só isso que ele desejava: O reencontro.
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